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terça-feira, 5 de agosto de 2014

São Bernardo - Sermão no Domingo de Ramos I

Sobre a procissão e a paixão

1.Com grande acerto, como tem o Espírito de seu Esposo e de seu Deus, a igreja hoje une, com admirável e nova sabedoria, a procissão e a Paixão. A procissão suscita felicidades e a Paixão, lágrimas. Como ao serviço de sábios e ignorantes, intento explicar a todos o fruto desta união.
E começarei referindo-me aos frutos do mundo, porque não é primeiro o espiritual, senão o animal. Que o homem mundano observe e compreenda que a alegria termina no pesar. Por isso, aquele que praticou e ensinou tantas coisas, quando se fez homem quis demonstrar pessoalmente com sua palavra e seu exemplo o que nos havia dito muito antes pela boca do profeta: "Toda carne é grama, e sua beleza como flor campestre " e manifestando-se na carne se empenhou em experimentá-lo em si mesmo. Aceitou, pois, o triunfo da procissão, consciente de que estava já iminente o dia terrível de sua morte.
Poderá alguém fiar-se da glória versátil do mundo se contempla o santo por excelência e ademais Dono supremo do universo, passando tão rapidamente da vitória mais sublime ao desprezo mais absoluto? Uma mesma cidade, as mesmas pessoas e em uns poucos dias passeia triunfantemente entre hinos de louvor e depois é acusado, maltratado e condenado como um malfeitor. Assim acaba a alegria caduca e a isto se reduz a glória do mundo. O Profeta pede que o Senhor viva em uma glória perene; quer dizer, que à procissão não acompanhe a Paixão.
2.Vós, em contrapartida, sois espirituais e podeis captar uma mensagem espirital: por isso os apresentamos na procissão a glória da pátria celeste, e na Paixão, o caminho que conduz à ela. Oxalá que a procissão te recorde o gozo e alegria incomparáveis do nosso encontro com Cristo no ar, enquanto somos arrebatados nas nuvens. E que te consumas no desejo de ver o dia glorioso em que Cristo entrará na Jerusalém celestial. Ele irá como cabeça de um grande corpo; içará o troféu da vitória, e não receberá os aplausos de uma turba vulgar, mas sim aquele hino dos coros angélicos e dos povos da antiga e da nova aliança: "Bendito o que vem em nome do Senhor".
A procissão te diz aonde nos dirigimos, e a Paixão nos mostra o caminho. Os sofrimentos de hoje são a trilha da vida, a avenida da glória, o caminho da nossa pátria, a calçada do reino, como grita o ladrão crucificado: "Senhor, lembra-te de mim quando chegares ao teu reino." O vê caminhar até o reino e lhe pede que, quando chegue, se lembre dele. Também ele chegou, e por um atalho tão curto que naquele mesmo dia mereceu estar com o Senhor no paraíso. A glória da procissão torna suportável a angústia da Paixão, porque "nada é impossível para aquele que ama".
3.E não se estranhe nada ouvir que esta procissão é símbolo da celestial, já que ao mesmo se recebe em ambas, ainda que as pessoas e o modo sejam muito diversos. Nesta procissão, Cristo vai sentado em um bruto animal; naquela, ao contrário, haverá animais racionais, como diz a Escritura: "Senhor, tu salvas a homens e animais." Recordemos aquela outra passagem que diz: "Sou como um animal ante ti e estarei sempre contigo". E continua referindo-se à procissão: "Tú agarras minha mão direita, me guia segundo teus planos e me levas a um destino glorioso."
Nem sequer faltarão ali os burrinhos, ainda que murmure o herege que não deixa vir as crianças e lhes nega o batismo. Também ele foi criança e quis ver-se acompanhado de uma série de crianças: os inocentes. Não exclui de sua graça as crianças, porque não desmente sua misericórdia, nem está em desacordo com sua majestade que o dom da graça supre as limitações da natureza.
Aquele gentio não calçará o caminho com ramos nem pobres mantos, sem que os animais simbólicos dobrem suas asas, os vinte e quatro anciãos ofereçam suas coroas ante o trono do Cordeiro, e todos os coros angélicos lhe brindaram e lhe dedicaram sua glória e formosura.
4.E já que temos falado do asno, dos mantos e dos ramos de árvore, quero fixar-me com mais atenção nas três classes de ajuda que se oferecem-lhe nesta procissão do Salvador. A primeira a dá a jumenta em que estava montado, a segunda os que estendem seus vestidos e a terceira os que cortam ramos de árvores. Não os parece que todos os demais lhe apresentam o que lhes sobra, e honram ao Senhor sem molestar-se em nada, a exceção da jumenta que se oferece o mesmo?
Me calo para evitar o perigo da vaidade ou fala para encorajá-los? Eu creio que esse asno em que Cristo vai sentado sois vós que, na frase do Apóstolo, "glorificais e levais a Cristo com vosso corpo". Os prelados cortam ramos de árvores quando falam da fé e obediência de Abraão, da castidade de José, da mansidão de Moisés ou das virtudes de outros santos. Não fazem mais que tomar-lo de seus bens  diversas despensas e devem distribuir gratuitamente o que receberam de balde. Se todos cumprem fielmente seu ministério, é indubitável que participam da procissão do Salvador e entram com ele na cidade santa, porque o Profeta predisse as três classes de homens que se salvarão: Noé cortando ramos para fazer a arca, Daniel que com seu jejum e abstinência se converte no jumento que leva o Salvador e Jó que faz bom uso dos bens desse mundo e abriga aos pobres com a lã de suas ovelhas. Quem está mais perto de Jesus nessa procissão? Quem dos três está em contato mais imediato com a salvação? Creio que é muito fácil compreender.

(fonte: San Bernardo, obras completas IV, Sermones Litúrgicos (2º volume), BAC, pág 17 Tradução nossa)