CURSO
DE TEOLOGIA DOGMÁTICA
A narrativa do Gênesis é uma síntese histórico-teológica que
usa de linguagem popular com o fito de atingir o entendimento das pessoas. Ora,
de nada adiantaria se o Espírito Santo inspirasse Moisés a tecer os pormenores
de como se deu a criação dos elementos químicos e físicos, a estruturação das
moléculas, enfim, a formação detalhada do micro e do macrocosmo, sabendo-se que
esse conhecimento não seria aproveitado pelo povo escolhido, já que o objetivo
era a sua instrução religiosa. Daí a referência a fenômenos da natureza segundo
as suas aparências. E isso vemos em toda a Sagrada Escritura como, por exemplo,
é dito que Deus parou o sol para que, prolongando o dia, Josué vencesse uma
batalha. Aliás, passagem essa estultamente criticada por Galileu dizendo que
Deus não poderia parar o sol já que a terra é que gira. Se assim o fosse devíamos
banir de nosso vocabulário expressões como “o sol nasceu”; “o sol se pôs”; etc.
Portanto, deve-se ter em mente que há correntemente o uso da linguagem popular
não só no Gênesis, mas também em toda a Sagrada Escritura.
Deus fez o mundo em seis dias e descansou no sétimo.
A Sagrada Escritura mostra-nos que em um primeiro momento
Deus criou a matéria de modo informe e vazia, isto é, não havia distinção em
seus elementos e estava sem adorno: “A
terra, porém, estava informe e vazia” (Gên. 1, 2). E neste primeiro momento
(que é designado pela expressão “No
princípio”), com efeito, foi criado o tempo, já que daí se inicia a
enumeração dos dias e, pois, óbvia e logicamente, esta tem de ser posterior
àquele. O movimento também é criado neste chamado primeiro momento. Assim, os
seis dias são para formar ou distinguir a matéria e orná-la. Por conseguinte, Santo
Tomás divide os seis dias em dois grupos: os três primeiros dias constituem a
obra da Distinção e os outros três, a obra do Ornato.
Obra da Distinção
1º Dia: A luz é
feita e ocorre a distinção entre ela e as trevas. Luz aqui não diz respeito ao
sol que é obra do ornato. Mas, no dizer do Aquinate, significa tanto “a causa da manifestação no sentido da visão”,
quanto “tudo o que causa a manifestação
em qualquer conhecimento” (Cf. I, LXVII, ad. 1º).
2º Dia: Faz-se o
firmamento e ocorre a distinção do que está na terra e o que está no espaço
atmosférico. Dessa feita, também não se pode confundir aqui o objeto criado neste
dia com o céu empíreo que foi criado antes.
3º Dia: Ocorre
neste dia a congregação das águas, distinguindo estas do elemento árido,
formando os mares, rios, lagos, etc.; e a criação das plantas que, segundo
Santo Agostinho, trata-se de uma produção casual e não atual, ou seja, a terra
recebeu potencialmente a capacidade de produzir “erva verde” (que irá aparecer na terra atualmente quando necessário
a partir da criação dos animais, servindo também de ornato como as vestes do
elemento árido), tendo em vista que, ao aderir ao elemento árido, tal criação
busca a formação da terra.
Obra do Ornato
4º Dia: Foram
feitos os astros, chamados de luzeiros. Ora, como foi dito, a matéria toda já
tinha sido criada no primeiro momento, mas de modo informe e vazia. Assim, na
verdade, os astros aqui foram como que aperfeiçoados recebendo o ornato, a
decoração, a ordem. Nota-se que esse primeiro dia do Ornato refere-se ao
primeiro da Distinção, pois orna aqui o que se distinguiu lá. Há de se observar
também aqui que Moisés, segundo Santo Tomás (I, LXX, ad. 2º), ao narrar a
criação do quarto dia, quis incutir no povo eleito a utilidade dos astros para
o homem, com o intuito de desviá-lo da idolatria astral.
5º Dia: Neste
ocorre a criação dos animais aquáticos e alados, ornando, portanto, o que foi
distinguido no segundo dia da Distinção, a saber a terra e suas águas do
firmamento e suas águas. Santo Agostinho ensina aqui também, como no 3º dia,
que os peixes e as aves foram produzidos em potência.
6º Dia: Ornamento
final da terra, os animais terrestres têm sua criação diferida da dos outros do
quinto dia para mostrar sua superioridade aos daquele dia. Dá-se neste dia
também a criação do Homem como que o coroamento do mundo visível.
O dia do descanso:
De fato Deus descansou de sua obra. Como ensina o Aquinate, a bondade divina se
move e se dirige para as coisas, tendo em vista se comunicar a estas. E como
Deus cessou de criar no sétimo dia, esse movimento da bondade também cessou.
Dessa forma, se diz que Deus descansou. Observe-se, porém, que Deus cessou de
criar novos seres. Na verdade, Deus continuou e continua criando, atualizando
os criados em potência, como as plantas do 3º dia e almas dos homens.
Criação do Homem
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Obviamente
isso se refere à alma humana, porque Deus não tem corpo; alma humana, portanto,
é dotada de inteligência e vontade e, como tal, desfruta do livre arbítrio.
Quanto à inteligência humana, se trata da mais ínfima forma intelectual, pois o
homem conhece as coisas em partes, por etapas, indo da apreensão dos termos,
dos conceitos, passando pelo juízo (juntando os conceitos) e chegando a uma
conclusão, produto final da inteligência. Daí, dizemos que o homem raciocina; que
o homem intelige compondo e dividindo. Diferentemente do anjo que vê “imediatamente, no próprio princípio, a
verdade da conclusão” (S. Teol. I, LVII, ad. 4º).
Naturalmente, o homem é um ser composto de duas naturezas
(matéria e espírito) e, pois, fadado à decomposição, isto é, à morte. Deus,
porém, quis dotar o homem de qualidades acima de sua vida natural. Para isso, o
dadivou com dons sobrenaturais – graça
santificante, virtudes sobrenaturais, predestinação à visão beatífica – e
dons preternaturais.
Estes últimos são:
Imortalidade → O
homem não iria se decompor, não iria passar pela morte, o corpo não separaria
da alma. Obviamente, quando se fala em imortalidade, estamos nos referindo ao
corpo, pois a alma, sendo substância simples, una, já é imortal por natureza.
Impassividade → Não
sentiria dores, não haveria doenças, nem cansaço físico. Quanto à dor, o homem
a sentiria, como sempre sentiu, como forma de defesa do corpo, com o tato em
algo cortante, por exemplo.
Integridade →
Teria o domínio perfeito de si. As potências inferiores como as paixões, os
apetites da carne, estariam totalmente submissos à inteligência.
Além desses, Adão e Eva também receberam o dom da Ciência infusa, pelo qual conheciam
perfeitamente as coisas tanto na ordem religiosa, quanto moral. Isso para usar
na tarefa de educadores da humanidade.
Assim é que nossos primeiros pais foram criados: em estado de inocência quanto ao pecado e em estado de justiça original quanto à santidade. E Deus colocou o homem para viver no paraíso terrestre.
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